segunda-feira, 14 de maio de 2007

Matéria do Jornal Zero Hora

Nova geração de músicos nativistas começa a dar as caras no Estado
por RENATO MENDONÇA

Zero Hora foi até um sobrado na zona sul de Porto Alegre para encontrar a jovem guarda do nativismo. O cenário para a reunião com Érlon Péricles, Ângelo Franco, Shana Müller e Cristiano Quevedo não poderia ser melhor: na sala, uma bandeira do Rio Grande estava junto a um dos vários computadores da casa. Espalhados pela casa, troféus de festivais nativistas. Na área, uma churrasqueira assava uma paleta de ovelha, trazida de Piratini, a poucos metros de um estúdio caseiro de gravação, com softwares sofisticados. Érlon Péricles, 35 anos, nascido em São Luiz Gonzaga, diz que sua tribo é composta de cidadãos do mundo: - Estamos sempre ligados na Internet. A Shana tem um blog (shanamuller.blogspot.com). O Pirisca Grecco, que também faz parte do nosso grupo, mas ainda mora em Santa Maria, tem um site (www.pirisca.com). Somos instrumentos do nosso tempo. Sentada à frente de Érlon, tomando chimarrão, Shana Müller, 27 anos, criada em Alegrete, diz que, como toda boa tribo, eles têm um ritual: se encontrar para um churrasco, trocar livros e CDs, e cantar. Ângelo Franco, 33 anos, também de São Luiz Gonzaga, deixa claro que a tribo também pensa - e muito - no seu papel dentro da cultura gaúcha: - Nossa tribo tem um deus, que é o amor à terra. Tentamos conciliar o primitivismo, a manifestação do nosso amor pela terra, mas também temos amor pelo tempo. É isso que nos leva a ser modernos, sem esquecer a tradição. Cristiano Quevedo, 31 anos, de Piratini, confessa que, como todo jovem, é ansioso: - Somos ansiosos por mostrar nossas raízes. Mas isso não tem de ser feito necessariamente em um CTG, pilchado. Tanto faz se estamos na barranca do Rio Uruguai quanto no Parcão, em Porto Alegre. Vamos cantar a milonga do mesmo jeito. Sem forçar sotaque, mas sem evitar nosso sotaque. O idioma da tribo atinge vários povos: Érlon, por exemplo, já foi premiado em eventos tão distintos como a Califórnia da Canção e a Moenda da Canção, além de participar do festival argentino de Cosquín, enquanto Pirisca acaba de vencer o Açorianos de Música de Melhor Disco Regional (pelo CD Bem de Bem) e Melhor Intérprete Regional. E a falação seguiu por temas como papel dos CTGs, influências musicais, tchê music e o que se deve ceder na busca do sucesso. Foram três horas e meia de conversa sobre uma tribo que pode ser sintetizada por um verso declamado por Cristiano, em seu maior sucesso, Contraponto.
Contraponto
"Esta audácia de buscar o novo
Sem pisar o rastro ou reascender as brasas
É o contraponto de ter prenda e filhos
De ficar tordilho ao redor das casas"(Cristiano Quevedo)
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Regional e universal
Érlon Péricles, Shana Müller, Cristiano Quevedo e Ângelo Franco dizem que estão no meio do caminho entre a jovem guarda e o índio velho, com um pé na tradição e outro no agora. Um exemplo cantado deste equilibrismo é Milonga pra Mim, de Érlon, cantada por Pirisca Grecco, que venceu a 21ª edição Musicanto Sul-Americano de Nativismo, em dezembro passado. A milonga tinha bateria misturada a duas guitarras com distorção, mas acabou agradando à maioria do público e dos jurados: - Usamos guitarras, ou fazemos algum tipo de arranjo diferente, ou usamos uma harmonia mais sofisticada não porque queremos, mas porque a música está pedindo - receita Érlon. Ângelo garante que o grupo tem o apoio de vários expoentes da cultura gaúcha, como Nico Fagundes, o grupo dos Angüeras (de São Borja) e Luiz Carlos Borges. Mas avisa: - Não posso agir, pensar e me vestir como o gaúcho pastoril do início do século passado, não posso morar em rancho de barro. Mas Ângelo faz questão de elogiar o que é regional: - Hoje, tudo é pop, tudo é muito parecido. Sou defensor dos regionalismos, assim, no plural. Por que Hermeto Pascoal e Paco de Lucia são tão importantes? São regionais, como nós. Quer algo mais regional e universal que a obra do poeta e payador Jayme Caetano Braun (1924 - 1999), nascido em Timbaúva, que hoje fica no interior de Bossoroca, nas Missões? Cristiano conta que a maior parte do público que a jovem guarda do nativismo reúne é formada de universitários. Mas observa também que parte do preconceito vem justamente dos jovens: - Eles querem nos fazer caber em um estereótipo de gaúcho. Mas, somos do mundo. Agora, estou ouvindo Djavan na FM, mas logo em seguida já estou cantando algo do Telmo de Lima Freitas. Usamos pilcha não para nos exibir, mas porque gostamos. É um jeito de definir a turma. Se tu cruzas por alguém que também está de boina na Rua da Praia, ele te cumprimenta. Nos identificamos. Ângelo quase fala dos Homens de Preto: - E aquela turma toda vestida de preto, esperando na frente do Gigantinho pelo show do Evanescence? Eles também são uma tribo. Mais uma tribo.
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Tchê music também é arte
A jovem guarda do nativismo não foge do debate que opõe tchê music e os tradicionalistas, principalmente entrincheirados no Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG). A opinião de Ângelo Franco, que dançou na invernada do CTG Galpão de Estância, em São Luiz Gonzaga, ao lado de Érlon Péricles, prevê colo
car as coisas em seus devidos lugares. Ele situa seu grupo como uma terceira via nessa discussão: - Quem faz tchê music não é menos músico ou artista que ninguém. Mas o lugar para se dançar maxixe não é o CTG. Seria como a gente ir tocar milonga numa rave. Shana observa que o pessoal da tchê music nunca pretendeu estabelecer um compromisso com a cultura gaúcha: - Eles fazem entretenimento, mesmo. E não pretendem mais que isso. Segundo Cristiano Quevedo, a juventude que começa na tchê music depois pode começar a tomar chimarrão, depois pode chegar à verdadeira cultura nativista. Érlon reafirma que ninguém pode se considerar puro-sangue: - Eu e o Ângelo, que nascemos em São Luiz Gonzaga, recebíamos influência da Argentina quando ouvíamos chacareras, zambas e chamamés, mas, depois, quando íamos nos divertir em Santo Ângelo, a rádio tocava Benito de Paula. O contrabaixista Felipe Álvares, que trabalha com Érlon e sua turma, chega a fazer considerações mais técnicas: - Se tu prestas atenção aos chamamés que os gaúchos tocam, vais descobrir que alguns são bem parecidos com a batida argentina, mas outros já trazem harmonias de bossa nova. Nossa música é muito nova, ainda está sendo construída. Cristiano chega a dizer que ele e seus companheiros percorrem o interior do Estado, e até mesmo Uruguai e Argentina, atrás de suas raízes. Que Ângelo situa como algo não apenas físico: - O que nos caracteriza é a garra ao cantar, o verso aclarador, opinativo. Isso de alguma forma unifica os vários gaúchos que existem. Pode haver gaúchos mais diferentes que um da Campanha e outro do Litoral Norte? E isso está acima da época, do lugar onde se mora, se é no campo ou na cidade.
A Chacarera do Tempo
"É um potro que bate patas sobre os tambores da terra
Feito quem declara guerra ao que chamamos presente
É o que transforma em ausente o que nos parecia eterno
É o verão que vira inverno no infindo ciclo da gente"(Ângelo Franco)

Um comentário:

  1. Eu concordo com que esta escrito, em todo o seu universo, à musica que o tche music representa, não pode, como não e apresentada, musica de raiz sul brasileira, ou popularmente denominada nativista. Suas, origens e influências poderiam conter um certo teor de nossa cultura, mas não vai além disto, mas quando vemos outros estilos, com refrões ridiculos, apelativos e porque não pornográficos, creio que ainda assim o tchê music os supera. Por fim cada um é livre para escutar ou cantar o que quiser, todos tem seu espaço e seu público, "dem a César o que é de César". Por hoje obrigado.

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